sexta-feira, 27 de maio de 2016

“DA PEDRA AO SAL/DO SAL À ESPUMA” – um livro de Fernando Aldeia. 1)

Este livro, “Da pedra ao sal”/Do sal à Espuma” aparece-nos estruturado em duas partes: através de poemas - a 1ª ; através de crónicas, em linguagem poética - a 2ª, em textos visivelmente urdidos por “um fio condutor”, onde a temática desta se conjuga em perfeita e harmoniosa complementaridade com a daquela.

1.   Relativamente à sua poesia, diz o autor: “A poesia que verto é uma poesia da saudade, do amor pela terra e pela natureza…” – Diário do Minho, 15/12/2015 para, na pág. 79 do presente livro assinalar que “a poesia não é uma tarefa, é uma paixão e uma alegria. Poesia é vida e a vida é feita de poesia”. Muito antes, já o grande Federico Garcia Lorca defendia que “todas as coisas têm o seu mistério; e a poesia é o mistério de todas as coisas…”. Não era, aliás, por acaso, que frequentemente eu dizia aos meus alunos: “meus caros amigos, não é poeta quem quer; só é poeta quem merece e pode…”.

A temática das crónicas (2ª parte) não se desvia, de modo algum, da temática dos poemas; antes a enriquece e completa, numa intencional e perfeita simbiose que, certamente, a nenhum leitor passará despercebida.
Fernando Aldeia, acreditem, é um verdadeiro poeta, e o “Da Pedra ao Sal/Do Sal à Espuma”, um sincero e acabado exemplo de alguém que faz poesia e alimenta a prosa, não só por amor, como por imposição da sua própria natureza, mesmo que “o acto de criar implique renúncia, exija sofrimento e envolva angústia…”. No entanto, e porque a poesia (e a linguagem poética) é sempre um acto criador, “ ao mesmo tempo que possa angustiar transmite uma sensação única de plenitude”. O escritor, neste caso o poeta, sofre, mas sente-se feliz, porque enquanto escreve não precisa de mais nada, senão de fazer o que faz”. – pág. 84.

2.   Como atrás foi sublinhado, a poesia de Fernando Aldeia é, sobretudo, uma poesia da saudade, do amor pela terra e pela natureza…

2.1.  Saudade, esse sentimento tão latino e tão português, surge a cada passo no decurso do texto. Vejamos, por exemplo, alguns versos das págs. 28 (“Infância”) – “Regresso ao tempo da infância/ao tempo em que há memória./Um passado sempre presente/que rejuvenesce a alma/e o corpo ainda sente./Em cada amanhecer acordo/com largo sorriso de criança,/olho os montes e o sol nado/colorindo nas alturas a esperança./A neve, o frio, a terra, os pássaros, o rio/em que verto a minha saudade…” e 43 (“Memórias”)-“Junto ao rio que me viu nascer/despontam hortências e roxos lírios/na encosta que o beija e acaricia/salpicam papoilas dos meus delírios./Com o odor da carqueja me incendeio/subo a serra, espreito o casario/por mais que suba não subo, creio/fico mais perto do meu rio./Os montes, vaidosos, cantam hinos/aleluias desenham primaveras de encanto/heras me abraçam em cada partida/abafando o sussurro de meu pranto./Junto ao rio que me viu nascer/ecoam hossanas em cada entardecer.” Belo poema este, sem dúvida, a fazer lembrar aquele outro do nosso grande Camões, na famosa “Redondilha de Babel e Sion”: “Sôbolos rios que vão/Por Babylónia, me achei/Onde sentado chorei/As lembranças de Sião/E quanto nella passei./Ali o rio corrente/De meus olhos foi manado;/E tudo bem comparado,/Babylónia ao mal presente,/Sião ao tempo passado”. Não estamos, certamente, perante mera coincidência…

2.2.      Natureza -  Amor pela terra e amor pelo mar
Saboreemos, igualmente, este belo naco de prosa poética, tão ao gosto de Fenando Aldeia, e que o autor nos apresenta, de modo tão delicioso e algo até comovente! (ler Capelinha de Santo António” – pág. 73. “ Naquela tarde de Setembro, quando cheguei à capelinha de Stº António e avistei o Tuela, apeteceu-me ficar ali, fazer do chão o berço embalado pelo santo. Olhei os vetustos montes em frente afagando um céu azul, e lá no fundo o reflexo das águas correndo doces e calmas para o Douro. Deixei-me acariciar pela brisa que soprava meiga e morna num abraço voluptuoso. Olhei a vila e apontando o dedo na direcção da casa onde nasci, ali fiquei, extasiado, repleto de saudades, como que adormecido, feliz. Não consegui suster um grito de profundo contentamento, como se fora rei daquele espaço ou de animal solto marcando o seu território. Inesperadamente, das frondosas árvores que me sombreavam, revoadas de pássaros levantaram voo, e assustados partiram para outros poisos…

 Também o mar não “escapou” à inspiração do escritor/poeta. São muitas e variadas, aliás, as referências ao longo de todo o livro como é o caso, por exemplo, do texto da pág. 97 (“Praia da Apúlia), onde podemos ler: “ Conheci o mar quando tinha sete anos. No meu rincão nordestino, o nosso mar era o sereno e doce Tuela.
Desde logo, o grande lago azul provocou em mim um fascínio que se tem grudado à alma até hoje. Lembro a corrida louca, desprendendo-me da mão de minha mãe ao encontro da água ondulada, o mergulho e o primeiro trago salgado, poção mágica que me enfeitiçou e me deixou prisioneiro da sua imensidade… No mar também se escreve poesia.” Esta passagem faz-nos lembrar Sophia de Mello Breyner Andresen, uma das grandes paixões inspiradoras de Fernando Aldeia, tal como o foram Miguel Torga e Eugénio de Andrade. Escrevia, assim, a grande poetisa nortenha, em 1944, no seu belo poema “Mar”:
                                     
 “De todos os cantos do mundo/Amo com um amor mais forte e profundo/Aquela praia extasiada e nua/Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.”                            
“Cheiro a terra, as árvores e o vento/que a Primavera enche de perfumes/Mas neles só quero e só procuro/A selvagem exalação das ondas/Subindo para os astros como um grito puro”. In “Poesias”, 1944.




3.   Deixo para o fim alguns versos de um dos poemas de que mais gostei neste livro : “Mãe” (pág. 25). Antes, porém, permitam-me, ainda, a leitura de mais dois outros: de Miguel Torga, o 1º; e de Eugénio de Andrade, o 2º, ambos, aliás, com o mesmo título.

                       
Mãe

Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
………………………………………………..

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!


Miguel Torga,
in 'Diário IV'

            ***

POEMA à MÃE
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
…………………………………….

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

……………………………………………

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
………………………………………………
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim
E deixo-te as rosas…


Eugénio de Andrade
, in "Os Amantes Sem Dinheiro”


Termino, então, com Fernando Aldeia

Mãe
Prometeste-me que um dia voltarias.
Esperarei, andando por aí.
Depois de partires, cada vez mais só,
tento esconder de todos
a tristeza que me devora a alma.
…………………………………………
Lembras-te?
A nossa terra, os ulmeiros, o rio, o arrabalde,
as ruas da cidade, os melros fugitivos
mas que te encantavam!
Como sorrias, quando eles chilreavam
aquela apaixonante sinfonieta,
esvoaçando para outros poisos.
O lamento por não teres asas
para poderes competir com eles!
………………………………………………………..
Tuas mãos mimosas ainda acenam
adeus a quem passa.
Por vezes, junto ao rio,
adormeço com o murmúrio das águas
à espera que me acordes com mil beijos.
Mãe, podes vir agora,
mesmo que o vento teime em levar-te
para o lugar onde não queres estar.

Fernando Aldeia, in “Da Pedra ao Sal/Do Sal à Espuma




“DA PEDRA AO SAL/DO SAL À ESPUMA” _  um livro para ser lido, reflectido e saboreado!

1) Com a presença de alunos dos 10º, 11º e 12º anos da Escola Secundária Sá de Miranda, aquando da apresentação da obra, em 22 de Fevereiro, de 2016.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo as regras do chamado Novo Acordo Ortográfico.

Braga, 22 de Fevereiro de 2016.

Domingos Alves.

Prof. Doutor Jorge Peixoto Coutinho – In memoriam…


Nascido a 07 de Novembro, de 1939, em Alvarães, Viana do Castelo, o Prof. Jorge Coutinho deixa um lugar muito difícil de preencher, quer na esfera do múnus pastoral, em que foi um exímio cumpridor, quer na qualidade de emérito docente e abalizado intelectual. Licenciado em Filosofia pela Universidade Gregoriana de Roma, em 1965 e em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra obteve, ainda, o doutoramento em Filosofia, pela Faculdade de Filosofia de Braga, com uma tese sobre o poeta Teixeira de Pascoais “ O Pensamento de Teixeira de Pascoais”.

Conheci-o há longos anos, e com ele mantive uma sólida amizade que hoje me permite recordá-lo com todo o respeito e até alguma emoção. Frequentemente me encontrava com o Doutor Jorge Coutinho na rua; a última vez, ainda recentemente, junto da Loja do Cidadão; sabendo-o já de precária saúde, uma vez mais o cumprimentei e lhe desejei que tudo corresse pelo melhor; “mais ou menos, Domingos, tudo se há-de compor”, foi a resposta, antes ainda de me perguntar, como aliás sempre o fazia: “como correm as coisas lá pela Junta de S.Vicente”?- “Vamos fazendo alguma coisa, Sr. Doutor” – mais uns dedos de conversa e lá seguíamos cada um para o seu destino, mal imaginava eu que este era o último aperto de mão que lhe dava…

A velha amizade que sempre nos uniu começou a ser alicerçada já lá vão muitos anos, quando o Doutor Jorge Coutinho dava aulas de desenho/pintura no Seminário Menor; aliás, ele era um verdadeiro apaixonado pela pintura, incutindo nos miúdos que na altura, de facto, ainda éramos, a curiosidade e o gosto bem próprios daquelas idades. Ainda hoje religiosamente conservo um pequeno trabalho/ramalhete de flores por mim “pintado” naquela época…

Muito mais tarde, já nos inícios da década de 70, e quando ainda aluno da Faculdade de Filosofia, outro episódio para recordar: era meu professor de Literatura 1, o saudoso Pe João Mendes, S.J., outro grande Homem e extraordinário Professor, muito reconhecidamente considerado um dos mais prestigiados críticos literários do seu tempo, com uma sabedoria imensa, só comparável à sua extrema simplicidade, ainda que muito rigoroso e exigente com os seus alunos. Nessa altura a sebenta do mestre ia sendo compilada por folhas dactilografadas a stencil e periodicamente distribuídas aos alunos. Quando, casualmente, as mostrei ao Doutor Jorge Coutinho, então a frequentar o Curso de Românicas em Coimbra, se a memória me não falha tendo como professor o catedrático Vítor Aguiar e Silva, o meu amigo ficou tão entusiasmado com os apontamentos que, dali em diante, comecei a ficar com dois exemplares… creio, até, sem poder, todavia, garantir, que igualmente os terá mostrado ao Doutor Vítor Aguiar e Silva. Tratava-se de textos originais e muito bem conseguidos, onde o Prof. João Mendes escalpelizava, como ninguém, e seguindo a análise dos tipos psicológicos de Eduard Spranger, Gaston Bachelard e outros versados nas estruturas imaginárias (encarnação imagética de problemas psicológicos), a caracterização humano/literária de autores, como Fernão Lopes, Gil Vicente, Camões, Pe António Vieira, Almeida Garret e Fernando Pessoa. 

O Doutor Jorge Coutinho era, sem dúvida alguma, um verdadeiro intelectual, que só passava despercebido a quem não estivesse atento. Deixa, pois, um grande vazio, não só nas Instituições onde leccionou, Seminário, Fac. de Filosofia e Fac. de Teologia, como noutras, onde exerceu a sua actividade pastoral: Cúria Arquiepiscopal, Cabido da Sé, Fraternidade Sacerdotal e outras mais, sem esquecer a de Presidente da Comissão da Quaresma e das Solenidades da Semana Santa de Braga.

Finalmente, a este propósito e se me permitem, aqui deixo um repto ao Município de Braga: não se fique apenas e só pelo “voto de pesar pelo falecimento do cónego Jorge Peixoto Coutinho…” . Na verdade, o Prof. Doutor Jorge Coutinho, por certo que merecerá bem mais do que um simples voto de pesar… 



Domingos Alves



Nota: Por opção pessoal, o autor do texto não segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

CENTENÁRIO do NASCIMENTO do DR. EGÍDIO AMORIM GUIMARÃES


Conheci pessoalmente o Dr. Egídio Guimarães na década de 60/70, aquando das escavações arqueológicas na Falperra e no Alto da Colina da Cividade, por ele promovidas, na qualidade de Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Braga. Nelas tive a satisfação de participar, juntamente com outros estudantes universitários, alguns dos quais estrangeiros, nas “ nossas férias de Verão”. Permitam-me, aliás, que recorde, aqui e agora, por dever de justiça e de gratidão, dois outros grandes apaixonados pela Arqueologia e excelentes animadores de “toda aquela malta”: o Cónego Arlindo Cunha, meu saudoso mestre dos tempos de seminário e na altura vice-presidente da extinta Junta Distrital de Braga, e o Prof. Rigaud de Sousa, igualmente um indefectível conselheiro de todas as horas, ambos formando, com o Dr. Egídio, uma tríade incomparável!De trato simples e afável, o Dr. Egídio cativava qualquer um, mesmo os mais jovens, de quem frequentemente se abeirava para dar “os bons conselhos…” . Alma íntegra e de conduta irrepreensível, sempre preservou, não só a dedicação à numerosa família de que era responsável, como a independência política quando, por exemplo, em 1979, por certo “devido ao seu valor e ao prestígio de que gozava na cidade”, foi sondado por uma força partidária para integrar uma das listas candidatas à Câmara Municipal de Braga, cargo que aceitou exclusivamente motivado pela nobre missão, que sempre defendeu, “de serviço e dedicação à causa pública”. Daí que “o seu afastamento do cargo da direcção da Biblioteca Pública e do Arquivo Distrital de Braga (de que foi o último director) seja dificilmente compreensível (…) e o tenha amachucado bastante, mas a sua maneira discreta e elegante de estar na vida impediu-o de se manifestar publicamente, continuando a exercer com grande dignidade as funções de responsável do Arquivo Distrital, tendo para tal sido nomeado pelo reitor da Universidade do Minho, Prof. Lúcio Craveiro da Silva, em 1982. – Henrique Barreto Nunes, in “Diário do Minho”, 02 de Julho, de 2014.Desde a primeira hora também ligado à ASPA, de que foi sócio nº 1, o Dr. Egídio foi, sem dúvida, uma das grandes figuras da história cultural de Braga nas décadas de 50/70, “podendo-se afirmar que nenhum dos grandes acontecimentos culturais desse período lhe passou ao lado, distinguindo-se pelo seu saber, pela sua nobreza de carácter e por ter sempre aberta a porta a todos quantos lhe pediam apoio.” (…) Relembre-se, a propósito, a frequente autorização para o “acesso ao Arquivo Distrital, assim permitindo a transcrição de documentos (que por ele, como qualificado paleógrafo que era, muitas vezes realizou) e diligenciando para que no Arquivo Municipal o mesmo acontecesse.” (…), “assim tornando possível o estudo de nomes como André Soares, Frei José Vilaça, Marcelino de Araújo, ou Agostinho Marques”, como o comprova Robert C. Smith, um dos maiores e profícuos estudiosos do Barroco Bracarense, quando dedicou “o seu livro Frei José de Santo António Vilaça: escultor beneditino do século XVIII, editado pela Fundação Gulbenkian em 1972, a Egídio Amorim Guimarães que me abriu os arquivos de Braga” – Henrique Barreto Nunes, in “Diário do Minho”, de 09 de Julho, de 2014.“… Monárquico, profundamente católico, naturalmente conservador mas tolerante, homem de princípios e convicções, na sua maneira discreta e elegante de estar na vida, Egídio Guimarães foi uma personalidade que deixou marcas impressivas na vida cultural bracarense da segunda metade do séc. XX.” – Henrique Barreto Nunes, in “Diário do Minho” cit.Para quando, afinal, uma verdadeira homenagem pública da cidade de Braga a este grande Senhor da Cultura Bracarense, já galardoado com a Comenda da Ordem de Mérito por Mário Soares e, postumamente, pela Câmara Municipal com a Medalha de Honra ao Mérito, a mais alta condecoração do Município?No centenário do seu nascimento, um busto condigno em local nobre da Biblioteca Pública/Arquivo Distrital de Braga poderia ser uma boa sugestão. Espero confiadamente!

Braga, Agosto de 2014 Domingos Alves. 

PS: Saliento, com visível agrado, os dois magníficos artigos de opinião sobre o Dr. Egídio Guimarães - cuja leitura vivamente recomendo - da autoria do seu grande amigo, Dr. Henrique Barreto Nunes, publicados no suplemento CULTURA do “Diário do Minho”, de 02 e 09 de Julho. Deles extraí algumas passagens para o breve e singelo testemunho, que agora apresento e desejo partilhar com os amáveis leitores do “Diário do Minho”.

BRAGA ROMANA, AO CAIR DO PANO…


Foi exactamente com este título que, em 04 de Junho do 2012, assinei um breve apontamento no “Diário do Minho”, a propósito deste grande evento lúdico/histórico, que continua a merecer de todos - bracarenses e largos milhares de visitantes - cada vez mais curiosidade, admiração, e entusiasmo! Com efeito, de ano para ano, e sem alterar o essencial, vão acontecendo oportunas inovações que muito têm contribuído para o seu enriquecimento; uma delas, por exemplo, foi a deslocação das ”Áreas de Alimentação” para o Largo das Carvalheiras, Largo de S. Paulo, Largo de S. Tiago e Museu D. Diogo de Sousa, ali bem perto das Termas Romanas, tudo espaços a condizer com a verdadeira matrix da Bracara Augusta.

Muito interessante, também, o espaço envolvente da Sé Catedral, maioritariamente ocupado pelas escolas e associações culturais, e pelas denominadas “tendas pedagógicas”, com os seus escritos, adornos e bijutaria diversa.

De entre os destaques do programa, uma referência especial para o Cortejo Triunfal, este ano e pela primeira vez, segundo creio, integrado por elementos da vizinha Galiza (oriundos das augustas cidades de Lugo e Astorga), garbosa e magnificamente “trajados à época”, e para o infindável acompanhamento de muitos outros figurantes representando instituições, escolas, variadíssimas associações e até divertidos populares que fizeram as delícias de quem se acotovelava nos passeios… 

Também o “Casamento Romano”, encenado pela Equipa Espiral, e que decorreu na Praça do Município, merece oportuna e justa menção, sobretudo pelo rigoroso trabalho de investigação de que deu mostras, o que lhe permitiu uma quase perfeita reconstituição histórica de uma “cerimónia mais elaborada do casamento romano só permitida aos patrícios.” 

Um terceiro aplauso para a graciosidade do enorme desfile das mais de cinco mil crianças provenientes das cerca de sessenta escolas e instituições do concelho de Braga e que, devidamente acompanhadas pelos seus educadores e professoras, distribuíram flores e sorrisos por tudo quanto era sítio, até chegarem à Praça do Município, onde foram alegremente recebidas com um bem sonoro “Salve crianças de Bracara Augusta”, a que logo todas responderam, em vibrante uníssono, com a já típica e habitual saudação romana do inefável “Ave César”!

Deixo para o fim o aspecto talvez menos positivo da “Braga Romana”, que se prende com uma “pecha” que já “vem de trás”, e que persiste em não ter emenda: como estamos a recordar factos históricos do tempo dos romanos, bom seria, e a sugestão uma vez mais aqui a deixo aos responsáveis: não haja mais incúria no tocante ao deficiente emprego do Latim para que, de uma vez por todas, se acabe com os erros e “lapsus linguae” de uma escrita que a todos deveria merecer mais respeito e consideração… Não maltratemos o Latim, nossa verdadeira língua/mãe, para igualmente não “assassinarmos” o português, hoje em dia infelizmente também tão maltratado!… É que, se “as palavras as leva o vento”, o que se escreve, bem ou mal , fica escrito para sempre… E não se julgue que estou a falar só de meras frases que, ao acaso, pude observar em algumas tendas de “comes e bebes”… Até a própria agenda/boletim “Braga Cultural”, infeliz e sucessivamente vem cometendo os tais erros e “lapsus linguae” que atrás referi o que, evidentemente, também se regista e lamenta… 

No cômputo geral, porém, e desde já ressalvando estes “pormenores/maiores”, há que destacar, por ser da mais elementar justiça, o excelente trabalho de todos, nomeadamente daqueles que tudo fizeram para que a “Braga Romana “ deste ano constituísse, como de facto constituiu, um grande êxito!





PS. Tive o grato prazer de passar algumas horas nas denominadas “Oficinas de Latim”, em parceria/colaboração da Junta de Freguesia de S. Vicente com a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva; pena que os inscritos fossem, na sua maioria, pessoas já “formadas” noutras áreas mas, curiosamente, ou talvez não, sempre solícitos, interessados e participativos em todas as actividades que lhes eram propostas!



Domingos Alves, vogal para a Educação e Cultura da Junta de Freguesia de S. Vicente.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

ASILO de S. JOSÉ, UMA INSTITUIÇÃO de REFERÊNCIA


“…dar a conhecer a história deste Asilo e da memória e impagável doação que a ele fazem os que lhe dedicam a sua vida-é uma forma de o tornar ainda mais apreciado e respeitado pela nobre acção sócio - caritativa que vem desenvolvendo há mais de século e meio. Além de que tal conhecimento histórico permitirá (disso estamos certos) perspectivar o Futuro com renovada Esperança – virtude muito necessária a este Presente tão sombrio por que passamos, nomeadamente se chamarmos à colação o aumento progressivo e exponencial de pobres em desamparo, de doentes sem conforto e de idosos abandonados (aumento esse que aponta para números assustadores num futuro próximo…)” - Extracto do prefácio assinado pelo Dr. Abílio Peixoto no livro “Do Convento das Teresinhas ao Asilo de S. José”, da autoria do prof. Carlos Jaca, a convite da actual Direcção, no 160º aniversário da fundação do Asilo de S. José, em 1850.

Neste singelo trabalho, para além da justa referência à citada publicação, cuja leitura vivamente aconselhamos, uma vez mais se pretende sublinhar a grande importância desta excelente Instituição social que, não obstante as frequentes vicissitudes e condicionalismos de ordem económico/financeira, persiste em condignamente honrar os nobres objectivos para que foi criada. Abster-nos-emos, pois, e como é óbvio, da sua abordagem histórica, aliás muito bem sintetizada por Carlos Jaca em notável trabalho de investigação, que justamente assinalamos, com breves e ocasionais referências, para uma melhor contextualização do presente texto.




CONTEXTUALIZAÇÃO


- Originário do Recolhimento de S. Domingos, com “passagem” pelo Recolhimento de Santa Teresa, ou Teresinha, em 1742, mais tarde elevado a Convento, em 1778, e com as necessárias obras de recuperação, o actual Asilo de S. José, de fachada austera, distribui-se por três corpos de edificado.

As suas raízes têm origem no Asilo de Entrevados e Inválidos de Braga, em meados do século XIX. Com efeito, foi por “alvará do governador civil de então, o Conde de Vila Pouca, criada a Comissão de Melhoramentos que funcionava, simultaneamente, como Comissão Instaladora”, cuja presidência desde logo foi assumida por Fernando de Oliveira Guimarães, ilustre Cavaleiro da Ordem de Cristo. De início, instalou-se numas casas particulares do fundador, na antiga Rua da Água (actual Avenida da Liberdade); mais tarde, para o já referido Convento das Teresinhas, na rua de S. Barnabé, e só em 1904 no actual edifício. Entretanto, e ao longo dos anos, foram prosseguindo as obras de restauro e ampliação, de modo a torná-lo mais confortável e funcional, como aconteceu nos princípios da década de 70 do século XX, sob os auspícios da direcção presidida pelo advogado Dr. Jaime Lemos.

- Anexa à estrutura do Asilo e naturalmente constituindo parte integrante do seu vasto complexo, podemos admirar a IGREJA das TERESINHAS que, tal como acontecia com as igrejas conventuais femininas, não apresenta fachada. A entrada é lateral, devido ao facto das monjas recolhidas no convento não terem acesso pelo exterior – apenas contactavam com o público no interior, já quando as portas se encontravam cerradas e, mesmo assim, através de grades. No seu interior destacam-se, entre outros: o Retábulo, (finais do século XIX), o Sacrário (século XX), o Púlpito e dois Altares laterais (1775/1780). O Órgão, instalado no Coro Alto, (dali se pode fazer uma “leitura” global da Igreja), data do século XIX. Interessante, igualmente, a original pintura numa tela fixa no tecto e onde aparece destacada a figura de Santa Teresinha. O estilo predominante é o período final do Rococó. No Coro Lateral, já bem próximo do Altar-Mor, podemos ver umas grades por onde as irmãs, ou outras intervenientes para o efeito autorizadas, apresentavam ao celebrante tudo o que fosse necessário para as actividades do culto sagrado. Na Sacristia, para além de um belíssimo arcaz, deparamos, ainda, com uma artística fonte da segunda metade do século XVIII.








Imagens do altar, panorâmica geral, coro alto e tecto da Igreja das Teresinhas.





ESPAÇOS INTERIORES

Foi na muito simpática e prestável companhia do Sr. Albino Gago, membro da actual Direcção do Asilo de S. José, que tivemos a grata oportunidade de visitar, demorada e pormenorizadamente, as actuais instalações da Instituição. À entrada, do lado esquerdo, deparamos com um interessante espaço museológico, onde podemos admirar artefactos de vários tipos e épocas, tais como: antigos retratos/pinturas de personalidades ligadas ao Asilo, nomeadamente dirigentes, colaboradores e benfeitores – espalhados, aliás, por outras áreas do edifício - alguns livros de actas, o primeiro dos quais datado de 1861 e outro espólio variado que, embora não contabilizando “peças de 1ª”, não deixa de fazer parte, obviamente, da memória colectiva da Instituição.


Um aspecto do Espaço museológico.


Ainda à entrada e defronte, surge-nos o busto do fundador, Comendador Fernando de Oliveira Guimarães para, logo acima das escadas, que dão acesso a um amplo espaço ajardinado, pontificarem o busto do advogado bracarense Jaime Lemos, ilustre membro de anteriores direcções e grande impulsionador/benemérito da Instituição, bem como a figura da irmã Maria Clara do Menino Jesus, fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição.



Bustos do fundador, Comendador Fernandode Oliveira Guimarães e do Dr.Jaime Lemos, ilustres figuras da história do Asilo de S.José.





- Seguem-se os pisos das duas alas de aposentos/camaratas das senhoras – lado esquerdo; dos homens – lado direito. Para além de funcionais, continuam a ser objecto de frequentes recuperações, quer no seu interior, quer nos corredores de acesso, com as janelas bem arejadas e os estores automatizados. 



Quadro com pormenor de uma das primitivas camaratas e aspecto de uma camarata actual.



Em cada piso, há sempre uma copa de assistência, com especial relevância para a copa dos acamados, mais completa e de características algo diferentes, incluindo vias de acesso para cadeiras de rodas.

- Existem, ainda, no 2º piso, salas de fisioterapia e gabinete de apoio a cuidados médicos e de enfermagem equipados com os recursos necessários para dar resposta às necessidades dos utentes, bem como uma sala de estar para os menos capazes (excepto acamados), com dois aparelhos de TV, em ângulos opostos, para um melhor conforto e descanso dos utentes.




Gabinete médico e de enfermagem.



- Mais abaixo, agora já no 1º piso, encontramos um grande salão de festas, separado por uma pequena sala de estar, de um outro espaço menos amplo para palestras e conferências. Os vários corredores são espaçosos, com boa luz e propícios ao lazer.

- A cozinha, devidamente apetrechada, o refeitório e a lavandaria são outras dependências da maior relevância tendo em conta, sobretudo, o exigente serviço diário prestado a quase centena e meia de residentes.



Pormenores da Cozinha e do Refeitório



- A energia e o aquecimento do Asilo resultam, em grande parte, dos painéis solares e fotovoltaicos instalados na estrutura superior do edifício.



LOGRADOURO / ESPAÇO EXTERIOR 

O exterior do Asilo de São José contempla uma grande área de logradouro, com vastos espaços de jardinagem, área de cultivo e até de repouso para os utentes que deles mais e melhor possam usufruir; tudo, aliás, muito bem enquadrado na morfologia do terreno, “sempre a subir” e, por isso mesmo, verdadeiramente propiciadora de magnífica vista panorâmica!







ACTIVIDADES

- São inúmeras as actividades religiosas e lúdico/culturais levadas a cabo naquela prestimosa Instituição como acontece, por exemplo, com o projecto “Leituras com vida dão alma às freguesias”/biblioterapia para idosos.

A leitura como terapia, designada por Biblioterapia, representa uma interação entre leitor, texto e ouvinte. Além de trazer qualidade de vida para muitos idosos, a Biblioterapia é relevante em inúmeras situações, como, por exemplo, ao tratar de temas ligados à inclusão social ou socioeconómicos, aliviar as tensões diárias, diminuir o stress, auxiliar na compreensão de sentimentos de frustação, medos, morte de pessoas queridas, separações e situações de abandono afetivo e material.

Assim sendo, a biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em parceria com o Pelouro da Cultura do Município de Braga e Juntas de Freguesia aderentes, lançou e iniciou em abril de 2012 o projeto de Biblioterapia para idosos intitulado "Leituras com vida: dão alma às juntas de freguesia de Braga”. Este projeto foi orientado preferencialmente para a população sénior da Junta de Freguesia não institucionalizada que, por motivos vários, se encontram mais socialmente excluídos e distanciados de iniciativas ligadas à promoção da leitura, da escrita, articuladas com atividades plásticas. 

Realiza-se uma vez por mês com sessões de atividades de animação lúdica, baseadas nas leituras de livros, jornais, revistas, filmes, música e jogos, deste modo criando incentivos para se reconhecerem mais vivos e despertos para a vida, sentindo-se mais úteis, ensinando-os a socializar, recrear, formar, informar, educar a atenção, enriquecer a linguagem, estimular a imaginação e a inteligência, despertar e apaziguar emoções e sentimentos, desenvolver o sentimento de compreensão e a simpatia humana, bem como despertar neles uma visão estética e artístico-literário.

O Asilo de S. José, pela Junta de freguesia de S. Vicente foi o local escolhido para que estas sessões se realizassem uma vez por mês para os seus residentes seniores”.



Celeste Magro e Conceição Marques, as duas técnicas da biblioteca que o dinamizam, referem a propósito:

“É com enorme prazer que podemos dizer que mensalmente e já há quatro anos, trazemos ao Azilo de S. José leituras, histórias e sorrisos, despertamos memórias e emoções… fazemo-lo de coração e com o coração para que se passem bons momentos de prazer e convívio sempre aliados à tradição oral.

Agradecemos todo o carinho com que sempre somos recebidas no Azilo de S. José, quer por todo o seu pessoal, quer pelos “nossos jovens” que têm sempre um sorriso e uma bela palavra para nós.

Agradecemos também à Junta de Freguesia de S. Vicente na pessoa do Dr. Domingos Alves, todo o carinho que demonstra por estes residentes e que tão bem nos acolhe.

Esta é uma história que ainda não tem fim… Motivação e dedicação caminham a nosso lado. Sem elas, qualquer trabalho é apenas temporário, porque não há o que as faça durar… o bom trabalho é aquele que, em alguma medida, nos realiza, nos dá satisfação e nos faz sentir utéis para a sociedade em que vivemos; enfim, um trabalho cujo sentido conseguimos perceber. Continuaremos até quando nos quiserem… com muita alegria, muitas histórias e muita animação. Esta é a nossa promessa… Muito obrigada e bem hajam.




Uma das sessões de biblioterapia.



- Igualmente nos merecem especial menção as frequentes “tardes recreativas”, iniciativa do Pelouro da Cultura da Junta de Freguesia, com a simpática e graciosa colaboração de grupos de música regional, aliás sempre muito bem acolhidos, não só para distracção, como também para um saudável convívio e alegria para todos!


Tarde recreativa com o Grupo de música regional UMATI / Grupo de Cavaquinhos da Universidade Minhota Autodidacta e da Terceira Idade.



- Numa outra perspectiva, agora já de índole mais cultural, uma justa menção para o excelente trabalho da mestranda Rolanda Gomes que, sob a orientação da Universidade do Minho (com quem, aliás, a Junta de Freguesia de S. Vicente regularmente colabora em diversos projectos, no âmbito da Licenciatura e Mestrado em Educação) ali vem exercendo profícua acção, conforme se depreende do texto assinado pela própria e que de seguida se transcreve:

No âmbito do Mestrado em Educação, área de especialização em Mediação Educacional e Supervisão na Formação, foi estabelecido um Protocolo entre o Instituto de Educação da Universidade do Minho e a Junta de Freguesia de São Vicente, Instituição que acolhe a Mestranda Rolanda Gomes para realização do Estágio Profissional do referido Mestrado.

O projeto intitula-se "Mediar para Integrar" e tem como público-alvo Idosos e Cuidadores da freguesia de S. Vicente. Uma das iniciativas deste Projeto prende-se com a criação e dinamização do Gabinete de Mediação do Idoso e do Cuidador, sito na Junta de Freguesia de São Vicente. Neste âmbito foi criada uma parceria com o Asilo de S. José (resultante do protocolo com a Junta de Freguesia de S. Vicente) para a criação e dinamização de sessões de capacitação dirigidas aos colaboradores da instituição intituladas MediAção – Mediação em Ação, que pretendem capacitar os profissionais no âmbito de competências de comunicação e relacionamento interpessoais. Estas sessões de capacitação (10 no total) desenvolvem-se entre Janeiro e Junho de 2016 e englobam temas como a empatia, assertividade, trabalho em equipa, resolução de problemas, entre outros.





TESTEMUNHOS



Mário da Silva Queirós, utente do Asilo de São José.

Nos seus provectos 94 anos de idade, o Sr. Mário Queirós é um dos utentes mais idosos do Asilo de S. José. Não se julgue, porém que estamos perante um homem acabrunhado ou desiludido da vida, antes pelo contrário, a sua excelente postura e impressionante lucidez de espírito, fazem deste homem um verdadeiro exemplo de fair play e autêntico amor à vida! Encontrámo-nos no café; durante largos minutos, e em amena cavaqueira, lá fomos “pondo a a nossa conversa em dia…”

Órfão de pai e mãe, desde muito cedo experimentou as agruras da vida. Aos sete anos já estava na Oficina de S. José, onde permaneceu durante mais quatro, até que foi requisitado para a loja de um tio, a chamada “Casa das Crianças”, aqui em Braga. Entretanto e já mais crescidote, ei-lo em Lisboa, para onde foi trabalhar numa casa de artigos para homem, senhora e criança, aí permanecendo cerca de trinta anos. De novo em Braga, agora já como sócio do tio, na mesma loja de antigamente, pouco tempo esteve no activo…. Sem ninguém a incomodá-lo, procurou, então, abrigo no Asilo de S. José, uma casa excepcional, onde todas as pessoas são maravilhosas: desde os funcionários até às Irmãs e Direcção, são tudo do melhor que há, sublinha com indesmentível satisfação. Autodidacta por natureza, Mário Queirós, já conhece meio mundo, por essa Europa fora…, graças a umas economiazitas granjeadas enquanto pôde… Aqui fica, para memória futura, o breve testemunho de um utente do Asilo de São José que sente muito orgulho em ter alguma cultura, gostar de música clássica e apreciar ópera como poucos…” Eternamente agradecido ao Asilo, um verdadeiro exemplo de solidariedade social!


À conversa com o Sr. Mário da Silva Queirós.



Irmã Luísa Silva, Directora Técnica do Asilo de S. José:

“O Asilo de São José é uma Instituição de Solidariedade Social, a qual se dedica apenas ao cuidar e cuidar bem dos idosos que aqui procuram um aconchego e um amparo para minimizar as suas limitações e solidão. A nossa forma de estar no hoje da História é dar a cada utente desta Instituição o valor que cada um tem por si só; relevar as suas qualidades e procurar em conjunto razões válidas para o seu viver; demonstrar que a vida de cada um é a “pérola” mais valiosa que alguém possui. Desde 1850 que o Asilo de São José procura responder às necessidades de cada tempo. Nos dias de hoje acolhemos 106 utentes – é a capacidade máxima desta Instituição, a qual está sempre completa. Aliás, o nosso desejo era podermos responder a um número muito maior, olhando às necessidades que vêm até nós, tão prementes e desejosas de quem as ajude na resolução dos seus problemas. Temos como preocupação máxima criar um ambiente o mais familiar possível e ir de encontro aos anseios de cada um dos nossos utentes. A promoção do bem-estar, quer nas estruturas, quer a nível pessoal, é uma preocupação constante de quem tem esta responsabilidade do cuidar”.



Albertina Lopes, Animadora Social.

Como animadora social no Asilo de S. José registo, com o maior agrado, todas as iniciativas promovidas pela junta de Freguesia de S. Vicente, representada pelo Dr. Domingos Alves, sempre muito solícito e atencioso para com os residentes. As atividades musicais, com a presença de variados grupos de música regional, são muito apreciadas pelos utentes; alguns “atrevem-se”, mesmo, a um pezinho de dança, para gáudio de outros tantos… São tardes, de facto, muito alegres e animadas!

As sessões de biblioterapia constituem, igualmente, momentos de grande convívio e participação colectiva, com algumas histórias a reviverem a memória dos presentes, que gostam de participar e intervir, assim acrescentando algo ao que as técnicas vão dizendo…

É, pois, com grande satisfação, que aprecio o empenho da Junta de Freguesia em manter este tipo de iniciativas na nossa Instituição, para além das diversas actividades de animação já existentes, tais como: jogos de memória, expressão plástica, trabalhos manuais, aulas de ginástica e música e contacto com as novas tecnologias-neste caso quando as circunstâncias o permitirem, ou seja, quando houver possibilidade de adquirir alguns computadores portáteis, bem mais fáceis de manusear, como facilmente se compreenderá, por aqueles a quem prioritariamente se destinam: alguns dos nossos utentes mais capacitados.







- Instituição verdadeiramente exemplar- a segunda mais antiga da cidade de Braga, logo a seguir à Santa Casa da Misericórdia -no domínio da assistência aos mais carenciados e desprotegidos, o Asilo de S. José acolhe nas suas instalações 106 utentes, dos quais, nesta data, três senhoras com mais de 100 anos (Maria Luísa Ferreira, Virgínia Vieira e Ermelinda Cândida) e três outras, com mais de 50 anos “de casa” (Rosa Vilaça, Maria José Freitas e Balbina Vieira). Para garantir o seu bom funcionamento conta com cerca de sessenta e cinco funcionários e colaboradores, incluindo um director clínico, um médico cardiologista (voluntário), um psiquiatra, uma psicóloga, um dermatologista, uma pedóloga, um fisioterapeuta, duas animadoras sociais, musicoterapia, ginástica, cabeleireiro, e serviço religioso diário. Para além das enfermeiras religiosas, igualmente ali prestam serviço cinco enfermeiras civis.





Finalizo, com Carlos Jaca, in ob. cit. “Do Convento das Teresinhas ao Asilo de S. José” : “O Asilo de S. José, instituição de solidariedade social, que vem atingindo há já alguns anos uma notoriedade impossível de passar despercebida, ultrapassando em larga medida as suas próprias fronteiras, parece-me ser uma Obra que não terá sido ainda devidamente reconhecida”.



                 Braga, Abril de 2016.

                 Domingos Alves, vogal para a Educação e Cultura da Junta de Freguesia de S. Vicente.





Agradecimentos:


À Direcção do Asilo de S. José, pelas facilidades concedidas;

Ao amigo e especialista em História da Arte, Doutor Eduardo Pires de Oliveira, pela prestimosa colaboração.



             Nota – Por decisão pessoal, o autor do texto não segue as regras do chamado “Novo Acordo Ortográfico”.



terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O 50º ANIVERSÁRIO da RUSGA DE S. VICENTE

Rusga: “É gente que vai, faz e vem das festas…”


1. “A Rusga de S.Vicente / Grupo Etnográfico do Baixo Minho” é hoje, indiscutivelmente, uma referência cultural de prestígio para a cidade que a viu nascer; sem dúvida, uma digna representante de toda a região geo-etnográfica baixo minhota – quer a nível regional e nacional, quer mesmo a nível internacional – enquanto Associação que visa o estudo, salvaguarda, divulgação e promoção de um vasto património de valor inestimável, através de uma forte dinâmica merecedora de especial referência.

“Até finais da década de 70, a Rusga existia quase exclusivamente por ocasião das festividades do S. João desaparecendo, quase de imediato, até ao ano seguinte. Na década de 80, porém, entramos num novo ciclo” – esclarece José Pinto, então um jovem ligado aos escuteiros e que entusiasticamente acedeu ao convite do “Fecisco” para com ele partilhar os destinos da Rusga, acabando por ficar até hoje, agora como actual presidente e director artístico do Grupo, já formalmente instituído como Associação.

Corria o ano de 1965, alguns dias antes dos tradicionais festejos da cidade de Braga (S.João da Ponte), encontrando-se o Fecisco (José Teixeira Gomes Machado) e o Gaspar Maleiro (Gaspar da Silva Ferreira) numa das suas habituais “cavaqueiras” nocturnas quando, ao recordar velhos tempos, vêm à baila as festas e romarias de antigamente. Logo concluíram que aquelas estavam a perder qualidade e popularidade de ano para ano, tendo como exemplos evidentes o Arraial de Santa Marta da Falperra e os Festejos Sanjoaninos da Augusta cidade. 

É nessa altura que se lança a ideia de se juntarem alguns amigos tocadores (concertina, bombo, ferrinhos e reque-reque) e, ao som destes, irem Avenida abaixo cantando e dançando para depois, uma vez chegados ao terreiro da grande romaria de S.João da Ponte, aí comerem e beberem do merendeiro.


Rusga primitiva


Nascida, pois, de um acto consciente e de um esforço conjugado, a Rusga chega até aos nossos dias – passadas que são cinco décadas - mercê de uma salutar teimosia e enorme persistência, de extremosas dedicações e de um trabalho intenso levado a cabo por um punhado de homens e mulheres que, ano após ano, se vão continuamente rejuvenescendo, e assim a vão mantendo, sempre bem viva e actuante, como fiéis depositários da cultura popular, verdadeiro legado/ herança dos seus antepassados.


2. Paralelamente à intensa actividade étnico/folclórica de todos sobejamente conhecida e apreciada, quer em Portugal, quer além fronteiras, para onde é frequentemente convidada – como aconteceu, por exemplo, no passado mês de Agosto, quando representou Portugal no XXIX Festival de Folclore da cidade de Corunha, ao lado de outros grupos - mais concretamente o “Fan Yu Dancing Ggoup”, de Taiwan, o “Grupo Folclórico Vallastra Azteca”, do México e o “Grupo Assiciación de Coros e Danzas de Eidos”, da Corunha – a Rusga de S.Vicente / Grupo Etnográfico do Baixo Minho, de igual modo se tem notabilizado pela organização de outras iniciativas culturais não menos portadoras de significativo e justificado interesse cultural: os muito típicos e famosos “Serões do Burgo/Tertúlias Rusgueiras”, geralmente de periodicidade mensal, nascidos em Janeiro de 2004, e que até ao presente contabilizam já perto de uma centena de sessões, com muitos e ilustres convidados/especialistas oriundos das mais diversas áreas, desde a ciência à política e culinária. Estas iniciativas vieram, sem dúvida, imprimir um ritmo diferente à vivência cultural da cidade, destacando-se pelo seu papel ao nível da intervenção cívica. De entre estes, uma breve referência ao Serão/ Tertúlia realizado em Dezembro de 2013 e cujo tema “Alminhas – crença e cultos” teve como convidado especial João Duque. Para este teólogo e professor da Universidade Católica, as Alminhas “são locais que nos remetem para memórias e saudade mas, fundamentalmente, locais públicos de oração, sendo essa a razão de considerarmos esse culto verdadeiramente democrático, ou popular, que chega aos nossos dias, com mais ou menos vigor, trespassando séculos de história e fé”.


3. Aliás, esta temática “serviu de mote ao excelente projecto “Alminhas”, da Rusga de S.Vicente, sob a coordenação científica da Drª Aida Mata. Segundo esta especialista, “o trabalho resultou num repositório que conta com mais de 150 nichos de Alminhas - na sua maioria bem conservados - inventariados através de fichas de registo e respectiva sinalização no território, cobrindo todas as freguesias do concelho bracarense (…).” Trabalho ímpar, sem dúvida, que deu origem à exposição Alminhas de lá, património de cá, que teve lugar em Novembro de 2014 e que desde logo contou com o apoio da Câmara Municipal de Braga para, com as Juntas de Freguesia se disponibilizar, tendo em vista uma futura publicação. Até ao momento, e segundo a Drª Aida Mata, “ainda não foi possível concretizar esta ambição, que passaria por um livro/DVD, inicialmente orçado em 14 mil euros”; no entanto, a mesma está convicta de que “a publicação há-de sair neste ou noutro formato, porque é um trabalho notável, que não se pode perder”. Assim o desejamos e, sobretudo, assim o esperamos…

Igualmente inserida na temática do Além, refira-se a excelente encenação da “Encomendação, Botar ou Lançar as Almas” – Memórias de um ritual, que teve lugar em Março de 2013 no Miradouro do Sagrado Coração de Jesus, Campus Camões, da Univ. Católica, sito na rua Camões, freguesia de S.Vicente, tendo como convidada a Drª Alexandra Esteves. Segundo esta especialista, “já em 1254, no tempo do Papa Inocêncio IV, era conhecido o ritual ligado ao culto das almas (“as almas eram purgadas dos seus pecados através do sofrimento pelas chamas e das orações dos fiéis devotos”). Só depois de expiados os seus males e “limpas” das suas “faltas”, elas estariam em condições de ir para o “Reino da Glória”. Igualmente o Concílio de Trento, sobretudo através das confrarias implementadas pelas Ordens Religiosas, apelava à necessidade de “orar pelas almas do Purgatório”. Em 1537 o Arcebispo de Braga mandava que se rezasse “pelas benditas almas do Purgatório”.

Este “Culto de Encomendação das Almas”, como também o “Culto das Ave Marias” e das “Trindades”, era habitualmente protagonizado por grupos de mulheres, ainda que, por vezes, o fosse também por homens ou, então, conjuntamente por homens e mulheres. As chamadas lançadeiras, ou lançadores, do “Deitar das Almas”, pelas “Trindades”, subiam aos lugares mais altos das aldeias, empoleirando-se em árvores, para daí lançarem o ritual cantado. Nas cidades também se praticava este ritual; eis a letra de um dos espécimes recolhidos pela Rusga, lançados a partir do “Penedo da Moura”, espaço contíguo ao reservatório da Rua Camões, em S.Vicente:


Alerta, alerta

A vida é curta

E a morte é certa…

Ó irmãos meus,

Filhos de Nosso Senhor

Jesus Cristo;

Quem puder

Reze um Padre Nosso

E uma Avé Maria

Pelas benditas almas

Que estão no Purgatório…



Representação do “Botar ou Lançar das Almas”


A manifesta variedade temática destas iniciativas da Rusga de S.Vicente estende-se por outras áreas, nomeadamente pela diversão/folguedo como acontece, por exemplo, no Carnaval com a muito curiosa corrida do entrudo “ olha o home, lá bai o home”, mai-la sugestiva e cómica leitura do “testamento do Libório Caturra,” sempre tão do agrado de miúdos e graúdos, ou pela participação, agora já mais de âmbito cívico/cultural, a partir de 2009, como foi o caso dos chamados “Rusgos Vicentinos” - cujo objectivo primeiro foi “dar a conhecer, com o apoio, acompanhamento e análise crítica de especialistas, diversos locais de interesse histórico e etno/histórico, dentro e fora da cidade, exemplos do Museu de Arqueologia D.Diogo de Sousa e do Museu da Imagem”, segundo as palavras de José Pinto. 



Queima do home (Entrudo)


4. A recordação histórica dos “usos e costumes” é também magnificamente concretizada pela produção de “Um casamento Minhoto, inícios da segunda década do século XX” encenação já levada a cabo em diversas localidades, inclusive Braga, Porto, (Teatro da Trindade) e Lisboa (Aula Magna), com honras de reportagem televisiva. Para quem ainda não viu, aqui vai uma nota introdutória: “A reposição deste trecho etnográfico - “ Um casamento Minhoto” – visa, por um lado, salvaguardar e promover a cultura popular de tradição e, por outro lado, valorizar e promover os diferentes patrimónios inerentes: humano, material e imaterial. Se no jogo e espaços cénicos, o espectáculo assenta no património edificado da freguesia – igreja do Mártir S.Vicente e casa Vale Flor de Infias -, já em termos de guião privilegia-se o imaterial, através de uma narrativa sustentada na investigação e na tradição oral. Assim se justifica, ao nível dos rituais, o arco de casamento e respectiva simbólica, a rica indumentária e demais figurinos, o repasto da boda, bem como os espécimes tocados, cantados e dançados. No entrecruzar dos patrimónios em referência, é notória e intencional a ênfase dada ao património primeiro, as gentes da nossa região geo-etnográfica baixo-minhota: homens e mulheres que herdaram, usufruíram, acrescentaram e legaram saberes, experiências, sentimentos, emoções, usos e costumes; vivências e convivências.


5. Igualmente de referir o “Serão/Sarau” evocativo do 10º aniversário dos “Serões do Burgo/Tertúlias Rusgueiras” realizado no teatro da Escola Secundária de Sá de Miranda em Março de 2014, com o espaço literalmente esgotado e a participação de vários grupos musicais e instrumentais, bem como de mais de duas dezenas de convidados “repescados”, seleccionados a partir das 72 edições até então realizadas, com a intenção de serem relembradas as temáticas na altura por eles próprios desenvolvidas.

Menção, ainda, para o “Serão/Tertúlia” (75ª edição -Bodas de Diamante), que teve lugar na Sede da Rusga, distribuído pelos dias 10 de Abril de 2015 (1ª parte) e 17 do mesmo mês (2ªparte) subordinado ao tema “Vidas Cruzadas – Confidências Partilhadas”, com o testemunho pessoal de vários convidados, entre os quais me encontrava, em representação da Junta de Freguesia de S.Vicente.


6. As Conferências Rusgueiras. Também no âmbito do 50º aniversário da Rusga de S.Vicente, seja-nos igualmente permitido relevar a 1ªedição das Conferências Rusgueiras/Arco Cultural – 2014, subordinada ao tema “Religiosidade popular – Crenças, cultos e promessas”, mais uma excelente iniciativa cultural que teve lugar no Museu D. Diogo de Sousa, em parceria com o Centro Regional de Braga da Universidade Católica Portuguesa e a Universidade do Minho. Apraz-nos referir o elevado grau científico dos vários painéis, onde intervieram especialistas portugueses e espanhóis. Aliás, e segundo a coordenadora da iniciativa, Aida Mata, as Conferências Rusgueiras” terão uma periocidade bienal, pelo que voltarão a realizar-se em 2016, tendo por tema “Festa e Romaria”.



Uma perspectiva da Expo Alminhas


Exposição “Há 50 anos a Rusgar”. Integrada, também, nas comemorações dos 50 anos da “Rusga de S.Vicente/Grupo Etnográfico do Baixo Minho”- para além de outras iniciativas que por certo deverão, ainda, ser levadas a cabo - saliente-se a magnífica exposição temática relativa à efeméride. Várias dezenas de peças, “celebram” este aniversário, de entre as quais se encontra o arco da “Rusga do Século XXI”, … “arco de plástico, mais moderno”, ali colocado “em jeito de provocação” para, deste modo, significar que na Rusga do século XXI, “os rusgueiros não levam trajes; vestem calças de ganga. Segundo José Pinto, “a tradição, para se manter, tem que se reactualizar no tempo, sob pena de não garantir a transmissibilidade. Se continuássemos a sair só de trajes, não tínhamos jovens”. 



Exposição “Há 50 anos a Rusgar”


Neste caso, permitam-me que alimente a esperança de que essa dita transmissibilidade não aconteça assim tão rápido quanto nos parece; é que as mudanças, sobretudo quando respeitam à tradição, sempre implicam alguma prudência e, por consequência, certos riscos a evitar, independentemente de sermos favoráveis e, por isso mesmo, bem compreendermos a inevitável dinâmica dos tempos… Jamais esqueceremos, todavia, que “defender o Património Cultural de um Povo é garantir, mais do que o seu presente, o seu futuro, o seu alimento” – Ademar Ferreira dos Santos, 1982; in ASPA 35. 





Fontes informativas:

· Várias edições do jornal “Diário do Minho”; Opúsculo/ historial da Rusga;
· Anotações e reflexões pessoais.



BRAGA, Agosto de 2015

Domingos Alves, 
Vogal para a Educação e Cultura da Junta de Freguesia de S. Vicente.



PS – A Assembleia de Freguesia de S.Vicente, na 7ª sessão ordinária de 08 de Abril de 2015 aprovou, por unanimidade, um Voto de Louvor pela passagem do 50º aniversário da Rusga de S.Vicente-Grupo Etnográfico do Baixo Minho referindo, entre outros pontos, os seguintes: “…Congratulamo-nos por ter na nossa freguesia um Grupo que tanto faz pela preservação das tradições da nossa região, não as deixando cair em esquecimento, nomeadamente através da forte dinâmica que empregam na sua divulgação; desejamos que a Rusga de S.Vicente continue a desempenhar o papel que até aqui tem vindo a realizar, e que continue a ser um orgulho para todos os vicentinos, em particular, e para todos os bracarenses, em geral”.



sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Dr. Egídio Guimarães, 101º Aniversário do seu Nascimento

Ocorre, no próximo dia 04 de Julho, de 2015, o 101º aniversário do nascimento do Dr. Egídio Guimarães. No suplemento CULTURA, de 27/08/2014 do “Diário do Minho ”tive, então, oportunidade de, em breves palavras, manifestar o meu singelo testemunho acerca de tão notável figura da cultura bracarense da 2ª metade do século XX. Hoje permito-me acrescentar algo mais, desta feita para sublinhar alguns escritos de duas personalidades bem conhecidas que, tal como eu e muitos outros, mais de perto com ele privaram: o Dr. Armando Malheiro Dias e o escritor Altino do Tojal.

1. Na “Bracara Augusta”, vol. XLIII, nºs 94/95 (107/108), Anos de1991/1992, Câmara Municipal de Braga, escreve, nomeadamente, Armando Malheiro da Silva:

“ A minha relação pessoal com o Dr. Egídio Guimarães começou, cresceu e consolidou-se sob o signo do deslumbramento. Há cerca de vinte anos um jovem liceal, dividido entre a hipótese de cursar Direito e a atracção irresistível pela História, deixou-se tocar pelo mágico e subtil fascínio de um Homem, admiravelmente culto, que marcava presença num curso de Arqueologia, ministrado pelo saudoso Cónego Arlindo Ribeiro, no Palácio dos Biscainhos. (… ) Em ambiente tão sugestivo ocorreram as primeiras conversas, tímidas e formais, entre um miúdo à procura do Saber, dentro e fora dos livros, e um Senhor (…), aparentando muita mais idade. Um Senhor que tratava os novos como seus convivas. Era surpreendente!” E mais adiante: “Hoje sei que nesse encontro nasceu um sonho: conviver e trabalhar, sob o olhar zeloso e o estímulo seguro do Dr. Egídio.” (… ) “Era um erudito completo e cidadão politicamente atento, que dominava as mais diversa línguas (incluindo o Latim, é claro!).

E prossegue Armando Malheiro da Silva: “Herdeiro intelectual do Dr. Alberto Feio, bibliotecário e director marcante, o Dr. Egídio Guimarães não foi, certamente, um inovador, mas soube gerir a continuidade com muito tacto e muita generosidade. Um subalterno não era um mero autómato submisso: era uma pessoa com qualidades e defeitos, com ambições e problemas para serem ouvidos e satisfeitos, na medida do possível. O Dr. Egídio sempre se predispôs a ouvir e a consolar os espíritos amargurados. Recusou a postura autoritária típica dos “mangas de alpaca” promovidos a donos do seu bafiento universo e praticou, antes, aquilo a que eu chamaria a “tolerância maiêutica”, ou seja, a exigência do cumprimento do dever através do apelo subtil à consciência do outro.” (…) “Reformado em 1984… não abandonou gabinete, nem se despediu dos colaboradores, porque a instituição e as pessoas souberam dizer-lhe, muito naturalmente e sem complicações burocráticas, ou intenções perversas, quanto estimavam e precisavam da sua presença…” 

2. De uma entrevista do escritor Altino Tojal, respigámos a seguinte passagem: ”Regressei a Braga, onde o director da Biblioteca Pública, Dr. Egídio Guimarães, me contratou para fazer uns pequenos serviços… 

(…)

- “ Com a escrita sempre presente…

- Sim, vivia exclusivamente para a literatura.

- Nunca pensou noutra coisa?

- Nunca, apenas em escrever. Nascera para escrever, nada mais interessava. Convivia na Biblioteca com pessoas cultas, entre quilómetros de calhamaços fascinantes…O director da Biblioteca apreciava deveras as coisas que eu escrevia e não descansou enquanto não as publiquei em livro. Estava bem mais impaciente que eu… Custa a crer, mas garanto que eu não tinha ansiedade nenhuma em publicar aquilo que seria “Os Putos”. Era capaz de estar dias e noites virado a uma só página. Mas enquanto não considerasse que ela estava em condições de ser apresentada ao Dr. Egídio Guimarães…

- Ele funcionava como crítico?

- Como um crítico consciencioso e benévolo. (…) Era um intelectual de fino trato, com cavalheirismos de antanho, amigo discreto mas sólido, um espírito nobre, o embaixador ideal para interceder junto do Eterno pela mesquinha Humanidade.

Também intercedia por mim junto das personagens “de peso” que o visitavam na Biblioteca, mostrando-lhes o meu livro “ Sardinhas e Lua” acabado de publicar e exagerando-lhe talvez os méritos. Foi em boa parte graças a ele que estabeleci contactos com o “Jornal de Notícias”, do Porto, e comecei a experiência jornalística…”

3. Faceta não menos curiosa do Dr. Egídio, um “monárquico profundamente católico, naturalmente conservador, mas tolerante”, era a de benfeitor, tendo doado diversos bens imobiliários, tais como, por exemplo, os terrenos onde está implantada a Escola EB1 de Fraião, ou o Centro Toutinegra da APPACDM, também em Fraião. Mesmo quando pôs à venda alguns terrenos, estes eram a preços tão baixos que houve quem espalhasse a notícia de que havia um senhor em Fraião que “dava terrenos”. Quando uma das filhas “politicamente de esquerda”, soube desse boato, avisou o pai. Naquela simplicidade que lhe era tão peculiar o Dr. Egídio, sempre muito simpático e sorridente, apenas gracejou: “afinal de contas, apenas pratico o socialismo, partilhando os bens com os mais pobres…”

4. O Dr. Egídio Guimarães era, de facto, uma verdadeira “avis rara”do meio cultural bracarense! Seu grande amigo e admirador, a ele dedicou o Dr. Henrique Barreto Nunes três excelentes artigos no suplemento CULTURA deste jornal, datados de 02 de Julho, 09 de Julho e 17 de Setembro de 2014, e cuja leitura vivamente recomendo. Com a devida vénia, aqui se reproduz o pequeno extracto de um deles:

“Em Julho passado, no mês em que se celebrava o centenário do nascimento de Egídio Guimarães, a Biblioteca Municipal Rocha Peixoto…dedicou-lhe uma exposição bibliográfica e documental, de que foi publicado o imprescindível catálogo… A publicação inclui o texto da proposta apresentada pela Comissão de Toponímia e fotos da rua e respectiva placa, uma biografia cuidadosamente ilustrada, a reprodução de uma carta dirigida a Flávio Gonçalves e excertos do texto que EAG lhe dedicou no vol.26 do “Boletim Cultural”, uma bibliografia e ainda o artigo em sua memória publicado no “Diário do Minho” (secção “Entre Aspas”) em 30 de Junho, de 2014. Ficou assim recordada a figura de Egídio A. Guimarães, celebração que a Câmara Municipal de Braga ainda não soube fazer, apesar deste homem de cultura ter sido vereador em duas ocasiões e ter servido sempre devotadamente o concelho…” - Henrique Barreto Nunes, in “Diário do Minho”, 17/09/2014.

5. Homem desprovido de toda e qualquer vaidade, ou dispensáveis protagonismos sem sentido, o Dr. Egídio sempre pautou a sua conduta por gestos simples e afectos admiráveis. Após o artigo por nós enviado, em 28/08/2014, à Senhora Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Braga e em que sugeríamos “um busto condigno em local nobre da Biblioteca Pública/Arquivo Distrital de Braga…” – “Diário do Minho”, 27/08/2014 – foi-nos comunicado, por e-mail de 02/10/2014, que o mesmo tinha sido “encaminhado para o serviço competente”. Infelizmente e quanto a factos concretos, até hoje, nada de novo, a não ser a nossa persistência e firme convicção de que todo este atraso não tenha passado de um lamentável esquecimento por parte de quem de direito. “ Egídio Guimarães foi uma personalidade que deixou marcas impressivas na vida cultural bracarense do séc.XX” – Henrique Barreto Nunes – in “Diário do Minho”, de 09/07/2014 – mais acrescentaremos nós: Egídio Guimarães deixou em Braga, pelo menos para os mais esclarecidos e atentos cidadãos, um rasto cultural bem difícil de passar despercebido, como, aliás, foi unanimemente reconhecido pela Assembleia Municipal, aquando do “VOTO DE PESAR”, exarado em 02 de Março de 1991: “O Dr. Egídio Guimarães distinguiu-se, em primeiro lugar e antes de tudo, pela sua visão e vivência Humanista da sociedade” (…) “ A sua luta pela defesa e divulgação da cultura bracarense, bem como do seu espólio cultural, transformou este Homem num verdadeiro defensor da vida cultural como forma de defender esse princípio tão português, como é o MUNICIPALISMO”.

6. Por conseguinte, a nossa sugestão, ou outra que se entenda como mais adequada, mantem-se perfeitamente actual; aliás, é uma questão de pura justiça e esta, como é evidente, não se mendiga, exige-se. 

BRAGA, Junho de 2015

Domingos Alves,
Vogal para a Educação e Cultura da Junta da Freguesia de S. Vicente.



PS. De entre os numerosos trabalhos publicados, salientamos os seguintes:


“Os Lusíadas e a Independência de Portugal”, in Homenagem da Academia de Braga aos Restauradores da Pátria, 1933, Nº único;

Balâne, in Aos Heróis de 1640, Academia de Braga, 1934. Nº único;

“Congresso Histórico de Portugal Medievo: catálogo da exposição historiográfica no Salão Medieval Superior da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga. Braga: Câmara Municipal de Braga, 1959;

TOJAL, Altino do – “Sardinhas e Lua”: contos. Braga: Editora PAX, 1964. Prefácio;

“A Cúria Régia de Braga de 872 e o Conde Vímara Peres. Braga: Câmara Municipal, 1968. Trabalho elaborado em colaboração com Sérgio da Sila Pinto;

PINTO, Sérgio da Silva – “Estudos e Comentários”. Braga: Câmara Municipal, 1973. Vol. I. Pórtico.

Cónego Arlindo Ribeiro da Cunha: breve biografia. “O Distrito de Braga”, 2ª série. Braga, 1977;

“Uma página de memórias. À laia de prefácio”. Braga, 1986. In MONTEIRO, Manuel – Dispersos, inéditos e cartas: ASPA 1980. pp. V/XV;

“Morte e ressurreição de um palácio”. Braga: ASPA, 1985;

“O meu amigo Gervásio e sua filha catedrática”. Braga: APPACDM, 1986;

“Arquivos: a herança sagrada”. In “Forum”, nº 8, Arquivo Distrital de Braga, 1990. Pp 21/32 Conferência pronunciada na U.M. em 23/05/1986;

“Álvaro Carneiro: in memoriam”. In “Mínia”, nº 8, ASPA, 1986, 313/318;

TOJAL, Altino do – “Os Putos”. Lisboa, 1989. Edição comemorativa do 25º aniversário de “Os Putos” (1964/1989). Prefácio;

“Sete Cartas de Alexandria: uma trilogia: Manuel Monteiro, Albano Justino, Lopes Gonçalves e Braga. In Revista “Bracara Augusta”, Câmara Municipal de Braga, Vol. XL, 1986/1987

“Depoimento sobre o Parque Nacional de Peneda –Gerês e a abertura da Portela do Homem”. In “Giesta”, nº 2, 1980;

“O Arquivo Distrital de Braga”. Nota Explicativa e Informativa para a U. M. Texto elaborado para a comemoração do IX centenário da dedicação da Sé Catedral Bracarense e o insigne e famoso bispo D. Pedro. Associação Comercial de Braga, 1989;

Muita e variada publicação em jornais e revistas, nomeadamente nos periódicos bracarenses “Diário do Minho” e “Correio do Minho”;

Foi autor de traduções do italiano, do francês e do romeno;

O seu espólio literário e de investigação contempla, ainda, uma boa série de trabalhos inacabados, bem como outros por publicar. Exemplo: “A dúvida metódica em Francisco Sanches, precursor de Descartes: o Quod nihil scitur”.

Nota. Um agradecimento muito especial ao meu amigo Dr. Fernando Guimarães pela cedência de fotos e abundante informação histórica e biobibliográfica que me facultou para a elaboração deste artigo.