Maria do Sameiro Barroso criou neste livro um mundo começado na “rosa de metal nascida a oriente” (pág. 7), que me faz pensar num lugar único, singular, habitado pelas “luas de gengibre”, que são título do poema contínuo que nos é dado ler. Trata-se, portanto, de uma dádiva, que acolho gratamente.
“Na senda das palavras” (pág. 8), a autora evoca Camões, relembrando as viagens que levaram Portugal ao mundo e deram mundo a Portugal. Pleno de versos líquidos e solares, o poema aproxima, deste modo, os dois mundos, oriente e ocidente, fazendo-me acreditar que também eu poderei alcançá-los.
“A luz absorve-me”, diz a autora em “Caligrafias Nocturnas” (pág. 9). A imagem que estas palavras projectam é de grande serenidade e esperança. A leitura é deveras tranquilizante, faz-me respirar outro oxigénio diferente do que me rodeia, que na verdade é já o oxigénio que as palavras do livro transpiram.
Esta viagem emocional que “Luas de Gengibre” nos proporciona é um momento de elevação; o nosso espírito está deserto e, lentamente, é povoado de sons, o ambiente do poema é melodioso e carismático, provocando-me uma espécie de saúde mental.
“O teu corpo era o paradigma das águas” (pág. 11). Pela primeira vez no poema, surge a segunda pessoa do singular. O mundo foi-nos descrito e agora surge o elemento humano que pode enfim transformá-lo em verdade. Digamos que, da metáfora até aqui criada, a autora uniu, através do cordão umbilical das palavras, o mundo ao corpo, diminuindo ainda mais a distância entre o livro e o leitor. Neste momento, já me sinto inteiramente contextualizada neste livro, pois é ao ‘meu’ próprio corpo que ele canta.
“As pedras pernoitam no ser” (pág. 12). Este é para mim um dos mais belos versos do livro, e aquele que em definitivo faz a ponte entre a ficção e a realidade. O ar que me rodeia envolve-se na atmosfera deste ser, principiando a fusão entre mim e o ser, até ao ponto de não haver nada que nos afaste. Um útero onde o silêncio crepita com o suave afago da mão poética que o cobre.
Mas eis que a poeta não pode evitar que a natureza humana interfira neste mundo aparentemente feérico. Sem macular a paz instalada, dá o alerta de que “As palavras disfarçam armadilhas rigorosas” (pág. 13). Sabe-se que a beleza tem asas nas costas e mel na língua. No entanto, a poeta reconhece as sombras que se instalam, prevenindo-me para os cuidados a ter no caminho.
A referência à “solidão”, na página seguinte, vem confirmar esta certeza de que até num mundo perfeito há espaço para que o indivíduo reflicta diante de si mesmo, mirando-se ora no espelho do que deseja, ora no poço do que teme. Contudo, nenhuma solidão está satisfeita sem amor, e logo a autora nos fala dessa vivência mais à frente. Note-se como essa emoção é personalizada com a expressão “no teu rosto imenso e breve”. De um corpo até aqui informe, com o qual confundi o meu, ao ler, vejo o meu próprio rosto no que leio.
Segue-se naturalmente a alusão a tudo o que perece. Embora o poema cumpra o ciclo do nascimento, da vida, e da morte, não imita o quotidiano que vivemos; antes porém o anula, subtraindo-lhe urbanidade, para assim destacar pontos de luz que diariamente apagamos. Essa iluminação aumenta quando o poema refere os “poemas que assomavam”. Não se trata, a meu ver, de figura de estilo ou pleonasmo. A autora duplica, faz gerar um verso noutro verso, uma água em múltiplas águas, causando uma sensação de liberdade e vento, até que “um rio te revolve”.
“Costumo levantar-me cedo para escrever as aves”, é outro belíssimo verso deste livro. O escritor recebe em si o voo que o espanta, e usa as mãos para libertar de novo as pombas benignas, “louvando a beleza frágil”, “na flor matinal da perfeição”.
Surgem entretanto alguns “deuses” que, pela noite, velam as actividades indispensáveis à continuação do poema. Imagens dolorosas dão lugar a ânimo, como se nunca tivesse escurecido e a manhã crescesse ao longo do tempo, na perseguição da “flor perfeita”. Esta flor é a própria Maria do Sameiro Barroso, ou essa confirmação não chegasse, quando diz: “Sou tão viva e exacta como as quimeras que me moldam”.
“Na senda das palavras” (pág. 8), a autora evoca Camões, relembrando as viagens que levaram Portugal ao mundo e deram mundo a Portugal. Pleno de versos líquidos e solares, o poema aproxima, deste modo, os dois mundos, oriente e ocidente, fazendo-me acreditar que também eu poderei alcançá-los.
“A luz absorve-me”, diz a autora em “Caligrafias Nocturnas” (pág. 9). A imagem que estas palavras projectam é de grande serenidade e esperança. A leitura é deveras tranquilizante, faz-me respirar outro oxigénio diferente do que me rodeia, que na verdade é já o oxigénio que as palavras do livro transpiram.
Esta viagem emocional que “Luas de Gengibre” nos proporciona é um momento de elevação; o nosso espírito está deserto e, lentamente, é povoado de sons, o ambiente do poema é melodioso e carismático, provocando-me uma espécie de saúde mental.
“O teu corpo era o paradigma das águas” (pág. 11). Pela primeira vez no poema, surge a segunda pessoa do singular. O mundo foi-nos descrito e agora surge o elemento humano que pode enfim transformá-lo em verdade. Digamos que, da metáfora até aqui criada, a autora uniu, através do cordão umbilical das palavras, o mundo ao corpo, diminuindo ainda mais a distância entre o livro e o leitor. Neste momento, já me sinto inteiramente contextualizada neste livro, pois é ao ‘meu’ próprio corpo que ele canta.
“As pedras pernoitam no ser” (pág. 12). Este é para mim um dos mais belos versos do livro, e aquele que em definitivo faz a ponte entre a ficção e a realidade. O ar que me rodeia envolve-se na atmosfera deste ser, principiando a fusão entre mim e o ser, até ao ponto de não haver nada que nos afaste. Um útero onde o silêncio crepita com o suave afago da mão poética que o cobre.
Mas eis que a poeta não pode evitar que a natureza humana interfira neste mundo aparentemente feérico. Sem macular a paz instalada, dá o alerta de que “As palavras disfarçam armadilhas rigorosas” (pág. 13). Sabe-se que a beleza tem asas nas costas e mel na língua. No entanto, a poeta reconhece as sombras que se instalam, prevenindo-me para os cuidados a ter no caminho.
A referência à “solidão”, na página seguinte, vem confirmar esta certeza de que até num mundo perfeito há espaço para que o indivíduo reflicta diante de si mesmo, mirando-se ora no espelho do que deseja, ora no poço do que teme. Contudo, nenhuma solidão está satisfeita sem amor, e logo a autora nos fala dessa vivência mais à frente. Note-se como essa emoção é personalizada com a expressão “no teu rosto imenso e breve”. De um corpo até aqui informe, com o qual confundi o meu, ao ler, vejo o meu próprio rosto no que leio.
Segue-se naturalmente a alusão a tudo o que perece. Embora o poema cumpra o ciclo do nascimento, da vida, e da morte, não imita o quotidiano que vivemos; antes porém o anula, subtraindo-lhe urbanidade, para assim destacar pontos de luz que diariamente apagamos. Essa iluminação aumenta quando o poema refere os “poemas que assomavam”. Não se trata, a meu ver, de figura de estilo ou pleonasmo. A autora duplica, faz gerar um verso noutro verso, uma água em múltiplas águas, causando uma sensação de liberdade e vento, até que “um rio te revolve”.
“Costumo levantar-me cedo para escrever as aves”, é outro belíssimo verso deste livro. O escritor recebe em si o voo que o espanta, e usa as mãos para libertar de novo as pombas benignas, “louvando a beleza frágil”, “na flor matinal da perfeição”.
Surgem entretanto alguns “deuses” que, pela noite, velam as actividades indispensáveis à continuação do poema. Imagens dolorosas dão lugar a ânimo, como se nunca tivesse escurecido e a manhã crescesse ao longo do tempo, na perseguição da “flor perfeita”. Esta flor é a própria Maria do Sameiro Barroso, ou essa confirmação não chegasse, quando diz: “Sou tão viva e exacta como as quimeras que me moldam”.
Alice Macedo Campos
18 de Setembro de 2013